Olá a todos/saudações! Àrnica surgiu em 2001 como um projeto a solo. Comecei a fazer musica quase por uma necessidade de expressar uma série de sentimentos ou pontos de vista sobre o mundo moderno e o funcionamento da sociedade atual.
O estilo da música na altura era muito diferente do atual, principalmente por os meus recursos e instrumentos serem bastante limitados. As ideias no momento de compor e as minhas inspirações eram as mesmas, mas agora (felizmente) contamos com mais possibilidades.
No ano 2008 juntaram-se a Àrnica Saúl e Carles, contribuindo com novas ideias e sobretudo a possibilidade de levar o projeto ao público. Dois anos depois Saúl deixou a banda e atualmente continuamos eu e Carles, alcançando a essência mais pura do que queremos expressar.
2. Muita gente pede referências musicais para a formação e identidade de uma banda, mas eu queria ir mais além e perguntar por referências literárias. Que autores ou livros vos influenciam a criar a vossa música?
Não temos nenhum autor de referência. Na verdade inspiramo-nos mais em experiencias pessoais, ideias e conceitos próprios de como o mundo deveria funcionar, embora tanto eu e Carles tenhamos autores que nos influenciam a nível pessoal.
3. Recentemente estiveram em Aveiro na Tormenta Celtibérica. Sei que o público ficou ao rubro com a vossa entrada, e vimos muitos curiosos lá fora a tentar ver. Guardas boas recordações dos concertos? Tirando o técnico de som, claro!
É certo que o técnico não ajudou muito as bandas… mas enfim, são coisas que acontecem e há que saber viver com isso. A atitude das bandas e do público compensaram completamente a inaptidão do técnico de som.
A Tormenta Celtibérica de Aveiro foi um grande evento. Os participantes criaram uma atmosfera perfeita para descarregar toda a paixão celtibérica. Keltika Hispanna realizou um dos seus melhores concertos e a sua genial «Terror Romanorvm» deixou-nos em furor. Os Cuélebre, como de costume, ofereceram-nos um grande concerto com uma progressão fantástica, além de nos terem apresentado a sua nova vocalista! Quanto a nós conseguimos realizar a entrada que queríamos, com cornos de veado e tochas, para realizarmos o nosso Ritual à vontade. Foi fantástico ver a recetibilidade do público. Um Mercado Negro cheio abarrotar, com gente mesmo fora da sala, uma atmosfera densa… perfeito!
4. Sei que não é a vossa primeira vez em Portugal, já antes tinham ido ao Mercado Negro, e já tocaram em Sintra. Gostam muito de Portugal?
Sim. Para nós Portugal, ou Ibéria ocidental, é uma terra com a qual temos um vínculo muito especial. Grandes amizades à parte, a forma como cuidam do vosso legado e cultura é para nós apaixonante. Musicalmente também foi uma referência vital para nós; Sangre Cavallum, Karnnos, Wolfskin (em geral todos os projetos da Reaping Horde), Azagatel, agora Arde Fero, ou Falcata de Fogo são projetos que nos tocam profundamente. É apaixonante ver como transmitem todo o conhecimento da Terra.
Os conhecimentos de Portugal são sempre especiais e muito intensos. A relação que se cria com a audiência é muito energética. É uma simbiose total em que recebemos tanto quanto entregamos. Ao dar-se este processo, os concertos crescem em intensidade e tornam-se em autênticos Rituais. A atmosfera saturada de fumo, o odor da arnica a calcinar-se, música, gritos e o calor propiciam noites muito especiais.
Até a data tocamos no Porto, em Sintra e duas vezes em Aveiro e qualquer deles foram concertos inesquecíveis para nós. Esperamos poder voltar a visitar a vossa terra em breve.
5. Aproveitando a pergunta dos concertos, como se originou a ideia dos concertos Tormenta Celtibérica?
Cuélebre e Keltika Hispanna pensaram fazer um concerto em conjunto. Foi a Keltika quem nos propôs participar mas, no final, não se realizou devido a problemas em encontrar um local. Algum tempo depois a ideia chegou a Barcelona (Àrnica ainda estava localizada na Cidade Condal) e pudemos realizar a primeira Tormenta Celtibérica. Inicialmente ia ser um único concerto, depois um concerto na cidade de cada grupo (os Cuélebre são de Valência e os Keltika Hispanna de Madrid), finalmente a ligação entre bandas foi tão grande que começaram a surgir mais Tormentas, espalhadas por toda a península… foi um processo muito orgânico, muito livre e está a crescer de forma muito saudável.
6. Em destaque está também o vosso novo álbum Lecho de Piedra, de que tocaram alguns temas na Tormenta. Fala-nos mais do conceito desse álbum.
Lecho de Piedra (Leito de Pedra) lida com a ideia da morte sob solo selvagem, a descoberto, em plena liberdade. Vivemos e morremos numa busca constante pela comodidade e conforto, esquecendo as nossas ligações com a natureza. Antigamente as pessoas, tal como os animais, partiam para a montanha para morrer, para um encontro digno com a última parte deste plano, em solidão, em silêncio.
Foi uma oferenda realizada de forma pouco convencional. Houve uma distância e umas vivências individuais que originaram um conjunto tenso e duro. Lecho de Piedra vislumbra uma névoa espessa no horizonte mas, também alberga a certeza de que não percorremos o caminho sozinhos. Temos a nossa manada, o nosso clã e uma tocha com um fogo que ruge e que pode rasgar até a mais profunda das penumbras.
7. Usam muito como símbolo um círculo feito de aves, a fazer lembrar uma roda solar. O que significa esse símbolo?
A Roda de Abutres é um símbolo que nos acompanha desde há muito tempo. Primeiro foi o conceito, exposto na canção Corona de Moncayo do MCD Numancia: «Sob a sombra do abutre negro» (“Bajo la Sombra del Buitre Negro”). O símbolo, em todas as suas formas, encara o Ritual de exposição ao abutre. Guerreiros celtibéricos caídos em batalha eram expostos aos abutres para serem devorados. Animal psicopompo. Era a forma de levar as suas almas até Letavia. Este Ritual dá-se em muitas civilizações e culturas antigas e nos dias de hoje ainda se pode encontrar no Tibete, por exemplo. Assim, a Roda levogira de Abutres é uma chamada a caminhar sempre pronto para a luta, em todos os aspetos da vida.
8. Reparei também que usam muito fotos com animais, como é a capa do Viejo Mundo, no EP da Extremocidente, etc. A vida animal é muito importante para vocês?
Sem dúvida! De certa forma, existe em Àrnica uma chamada à parte mais animal, mais selvagem de nós. Uma chamada a procurar a raiz da nossa própria existência, o núcleo intocado de todo o ser humano, onde habita a nossa verdadeira essência. A Natureza não perdeu nada deste núcleo. É selvagem, só pode ser assim. O homem desvanece-se numa involução que nos está a levar ao crepúsculo da nossa civilização. Os animais mais simbólicos para Àrnica são o javali e o abutre. Ambos com um potencial mágico incalculável que devemos preservar. Independentemente, o mundo animal europeu está muito bem representado: ‘Gran Caballo Negro’, ‘Escarcha’, ‘Tu Miedo’, ‘Urogallo’, ‘Corona de Moncayo’, ‘Piel de Tambor’, ‘Marchando al Albor’, ‘Uro’, ‘Una Bestia Astada’, ‘Las Plumas del Cuervo’...foi no 7” ‘Piel de Tambor’ que exploramos e submergimos no aspecto mais psicopompo e cósmico do Javali.
9. Obrigado Daniel, creio que por agora é tudo! As últimas palavras são tuas!
Muito obrigado pelo vosso interesse em Àrnica e espero que este seja a primeira de muitas vezes!
Estas foram apenas as primeiras palavras…